Circo não é coisa para amadores
“Navegar é preciso, viver não é preciso.”
Fernando Pessoa
O espírito de aventura e o destemor impulsionaram algumas das maiores realizações humanas, amparadas pelos saberes e engenhos compartilhados por várias gerações. As grandes navegações, que ampliaram o mundo conhecido e, mais recentemente, as viagens interplanetárias são exemplos dessa empresa científica de alta precisão.
O verso do poeta português Fernando Pessoa propõe uma filosofia que pode ajudar a estabelecer um paralelo com as artes. A arte circense, permeada por habilidades técnicas, demanda uma lógica de ensaio e repetição, visando atingir a perfeição. Ao mesmo tempo, o campo de necessidades de estrutura e segurança, equipamentos para sustentação, deslocamentos, cenografia e iluminação exige um aprofundamento metodológico e profissional que se aproxima de uma precisão científica. Talvez, cada dia mais, possa se dizer que “circo não é lugar para amadores”. Contudo, se, de um lado, há esse chamado à profissionalização, de outro, mantêm-se as vicissitudes do viver, da transitoriedade, sofrendo a precariedade das limitações do espaço, do tempo e da condição humana. O momento do espetáculo de circo é o instante efêmero da apresentação que, incontrolável por natureza, pode ou não dar certo. A despeito de toda evolução técnico-científica, a vida é cheia de acasos e descontroles.
Aqueles que se lançam ao mar desconhecido não o fazem sem ter ao seu lado o domínio da ciência disponível (preparo técnico, mão de obra especializada, mapas, bússolas, mantimentos etc.) para assegurar que a travessia encontrará um porto seguro. Porém, a riqueza de aprendizados que advém daí é o processo de passagem de um lugar a outro com todos os seus desafios, erros, acertos e seduções pelo caminho, que incluem as dores de crescimento e as perdas naturais que acontecem com a conquista da autonomia.
É sob essa perspectiva que o Sesc realiza a 3ª edição do CIRCOS – Festival Internacional Sesc de Circo, buscando contribuir com a qualificação da produção nacional em diálogo com a produção internacional, bem como a construção do pensamento sobre a linguagem no país, valorizando os processos de reflexão e aprendizagem próprios ao circo.
Dessa forma, a instituição reafirma seu compromisso com o bem estar social, ao ampliar as possibilidades de convivência familiar e coletiva a partir do contato com as expressões e fazeres circenses diante das rápidas mudanças da vida contemporânea.
Há a percepção de que o circo continua sendo a memória cultural de muitos indivíduos. Primeiro porto de uma viagem que pode ter instigado a procura de navegar por novos mares – mares nunca dantes navegados – e tecer os próprios caminhos e mapas afetivos.
Danilo Santos de Miranda
Diretor Regional do Sesc SP